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quinta-feira, 21 de março de 2013

se ela morresse hoje

Deixaria lembranças boas sobre sua personalidade.
Diriam que ela sempre foi meiga, carinhosa, uma boa menina, sempre doce. Talvez ficasse brava, por influência alheia...e lembrariam de algum caso isolado, de alguém que pudesse levar a culpa por algum deslize seu.
Mas falariam da sua alegria de viver, da sua beleza, da sua amizade, da sua boa disposição em ajudar os outros.
Ela seria lembrada pelo sorriso de boca fechada, de seu olhar de ladinho, com a cabeça inclinada, uma coisa meio tímida, envergonhada. Alguém poderia interromper esse momento para lembrar que ela sabia ser forte e quando precisava desfazer o sorriso para impor sua vontade...ninguém segurava.
Alguém muito próximo poderia falar então desse outro lado, um pouco envenenado, daqueles que fazem o morto revirar no caixão, mas que exaltaria a força de sua personalidade, arredia com aqueles que lhe representavam algum tipo de ameaça.
Ela era realmente uma menina encantadora.
Imagino filhos acariciando seu rosto, chorando a sua perda, a sua falta. Ela completava, preenchia o dia, a vida, a fala, a necessidade de todos. Ela era onipresente na vida das pessoas que amava.
Alguém poderia chegar de mansinho no velório, olhar cabisbaixo...lembrar mais uma vez do sorriso dela, aquele sorriso que iluminava a casa. E o café que ela fazia? e o cafuné?
Ela era mais do isso.
Era uma mãe divina, uma profissional apaixonada pelo seu trabalho. Ela era destinada ao amor apesar disso e queria a todo custo montar um lar, uma casa, uma família.
Chegou perto e ele estaria ali também, sério, compenetrado, relembrando talvez a vida que tiveram juntos e a história que construíram. Chegaram quase lá e ele estaria orguhoso de ter feito parte dessa história, tão peculiar, tão dela.
Amorosa seria a palavra definitiva.
Ela foi mais amorosa do que outra coisa. Sua avó que o diga...ou sua ex sogra, sua tia, suas amigas mais próximas, alguns ex namorados, pacientes, pessoas que conviveram com ela anos antes.
Sim, ela dividiu águas de uns tempos para cá. Algumas pessoas acharam que ela tornara-se calma, passiva mas haviam reparado na falta das lágrimas que ela insistia em derramar por qualquer motivo.
Ele, talvez o responsável por essa mudança, estaria ali para defender a tese de que ela ficara mais feliz, e por isso não havia mais a necessidade de chorar tanto.
Mas ela morreu sabendo que precisava retornar ao seu antigo eu...o da menina que agora todos lembravam e queriam de volta.
Seu irmão estaria sério, em um canto, providenciando as flores mais bonitas e todo o cortejo repleto daquele glamourzinho que ela também apreciava.
Poderiam lembrar, não na hora mas depois, das músicas que ela gostava e que falavam tanto da sua personalidade. Eram músicas que ela sabia cantar e gostava de fazê-lo.
Olha, pensando bem, poderia haver aqueles ali presentes ou não, que lembrariam dela como aquela que se foi e não pagou...a padaria, a manicure, a empresa de gás, luz, telefone.
O importante é que ela se foi e todos ficaram tristes...o que fazer com as suas roupas?
lembrariam dos saltos que ela amava usar?
as calças jeans que ela pensava agora abandonar, quase aos 40?
Sabe, ela está triste e sente-se perdida, sozinha, como num velório..todos olhando e sentindo falta daquela que não está mais ali...o corpo segue presente mas cadê ela?
Ela foi embora e nunca mais voltou...só esqueceram de enterrar.
Mas existe uma maneira de fazê-la voltar...por enquanto, só na lembrança dos entes queridos...mas em breve, na sua ressurreição, da carne e do espírito...
Ela ainda está entre nós, não morreu mas adormeceu.
A campanha que consola é a da volta daquela que não se foi mas que esqueceu de voltar num processo de quase morte.
Vamos falar mais dela como fazemos com os mortos de verdade...falar da dor faz amenizar...vamos esgotar todas as possibilidades de ela voltar e ser novamente aquela que queremos, aquela não queremos que se vá..
E enterrarmos, definitivamente, a que ficou...

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